terça-feira, 26 de agosto de 2008

Viva Portugal...

Em minha opinião, nunca em Portugal se viveu tão longe da decência civil como hoje. Não, não estou a esquecer o Estado Novo e os restantes (e muitos) momentos despóticos da nossa história, porém, mesmo ‘nas noites mais escuras’ sabia-se com o que se contava, pelo que havia o assumir do carácter ditatorial. Hoje as coisas estão diferentes… aparentemente vivemos em democracia mas, na prática, não estamos numa ditadura cada vez mais feroz e arrogante e ainda mais; começo a questionar-me muito seriamente se vivemos num estado de direito… Nunca se mentiu tanto, nunca a nossa inteligência foi tão desprezada e humilhada...
Expliquemo-nos. Toda a base de um estado de direito tem de assentar em determinados pressupostos essenciais de que passo a enumerar alguns: a divisão clara dos poderes, Legislativo, Executivo e Judicial… Só o respeito por este princípio garante um estado de direito democrático. Ora, o que temos assistido é, tão só, ao mais puro claro e simples modus operandi de Salazar, na Assembleia da República funciona uma nova União Nacional que apenas lá está para ser servida de prebendas, mordomias e dizer ámen ao que o líder quer. Neste ponto, a única diferença com Salazar são as meias solas nas botas, a vida comedida, recatada e reservada e as explicações mentirosas que o tirano de Santa Comba não dava… De resto o método é o mesmo, governa-se por decreto, manda-se depois aprovar na assembleia e está feita a legalidade… Simples como contar uma peta a uma criança, sendo que, infelizmente, essa criança é o povo português, politicamente analfabeto e desinteressado, o que é cada vez mais preocupante pois mesmo nas pessoas academicamente mais certificadas esse analfabetismo e desinteresse é generalizado. Solução: 1ª tornar secreto o voto na assembleia, assim os deputados poderiam votar de acordo com o que pensam e não com o único objectivo que agora têm que é não perder o tacho. Ver-se-ia muitas propostas do grande líder serem liminarmente chumbadas e muitas outras, não oriundas de tão dotadas meninges serem aprovadas por clara maioria. Isto seria lapidar e extremamente fácil de por em prática e a democracia só sairia a ganhar… 2ª criar uma outra câmara parlamentar, funcionando em articulação com a primeira, em que se votaria igualmente por voto secreto, composta por cidadãos sorteados entre a população… o bom senso faz muita falta e falta cada vez mais nessas máquinas trituradoras dele que são os partidos.
A observância claríssima da Constituição, sendo que se tal não fosse possível, como parece não ser neste momento, devia ser reformulada ou suspensa. Nada conspurca mais um Estado de direito do que a existência de um normativo legal que existe para não se cumprir mas, apenas, para inglês ver… Aqui um tribunal constitucional, isento e absolutamente extra partidário, ficaria com o poder hoje conferido à figura do Presidente da República que, pelo que temos visto, umas vezes mais outras menos, nunca o soube usar. Restar-lhe-ia, nesse capítulo, a possibilidade de solicitar pareceres ou enviar-lhes diplomas se lhe parecesse ver necessidade.
A absoluta, transparente e auto regulada independência completa do exercício da Justiça, exactamente o contrário do que foi recentemente promulgado na nova Lei da Segurança Interna; se na altura já estivesse em vigor o que teria sido do caso Pedroso e Cia se, mesmo sem ela estar em vigor vimos as mais altas figuras públicas a interferirem no processo judicial… e ocuparem hoje, impunemente, altos cargos políticos. Reclama agora do Estado a ilegitimidade da sua prisão? Mas as provas dessa intromissão na justiça continuam acessíveis a todos… Hoje, o assunto não passaria no crivo do censor político e nunca sequer tinha havido qualquer caso… Isto é justiça, é democracia, é igualdade entre os cidadãos, é estado de direito? Obviamente que não é, isso sim, a sua negação clara, que os portugueses aceitam por, na sua grande maioria, nada entenderem disto; noutra restante fatia, se estarem absolutamente marimbando nem sequer tendo conhecimento do facto, o que vai dar ao mesmo e, finalmente, sobram mais dois grupos, o dos políticos, que rejubilam porque agora se sentem muito mais seguros e a dos escritores de blogues, que escrevem para as nuvens e a quem ninguém liga porque são uma seca, escrevem muito pelo que a sua leitura seria penosa, árdua, revoltante e inquietante, pelo que é preferível ler as gordas sobre o Ronaldo, a novela ou outra futilidade qualquer, aliás tudo é preferível a ter que pensar… É com muita mágoa e muito escárnio que termino com um viva Portugal…
post scriptum: afinal não sou só eu a afirmar que isto é do tempo da outra senhora...

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá, Quink.

Estou totalmente de acordo com o que escreveste sobre o comportamento colectivo de uma identidade alargada chamada Portugal (nós).
Assumida a minha total incapacidade para mudar seja o que for, resolvi entrar num processo de negação ao ponto de me tornar uma Geek.Não ando atrás de Ronaldos mas poder ser amiga da Nina Hagen é fixe... :-)

Anónimo disse...

A leucotomia pré-frontal é uma técnica portuguesa na qual se tornaram especialista os tipos que governam Portugal há já 82 anos, se Egas Moniz volta-se cá ficaria surpreendido com os resultados.

Anónimo disse...

hehehe Afasta para lá esse bisturi, Anónimo.

Estás a debitar um discurso de homem do talho e isso causa-me arrepios. :-(