sábado, 16 de janeiro de 2010

Depois de uma ida ao Parlamento.


Depois de uma ida ao Parlamento.
Revejo a minha primeira ida ao Parlamento, como uma tela acinzentada num lusco-fusco da imaginação.
Nesse dia, poucos deputados compareceram na Câmara. Eu via-os de lado, e de cima. Logo me apareceu o anfiteatro, com as filas concêntricas das escrivaninhas e as linhas concêntricas dos seus degraus, uma série de costeletas depois de servidas, mostrando pendentes aqui e além uns pedaços de carne não esburgada, que seriam os ilustres Pais da Pátria, a lembrarem no todo da sua atitude a agonia de uma ceia de carnaval, às primeiras horas do amanhecer. Erguia-se do fundo daquela modorra, por sobre o livor das paredes da sala – o vário rumor das conversações. A galeria dos espectadores, em cima, vizinha do tecto, dominava o recinto dos representantes com as bancadas curvas quase vazias, assim como o sector de praça de touros antes de os lugares se começarem a encher. Nos deputados, nenhuma compostura no vestuário, nem de atitudes, nem de expressão. Na imagem brumosa que me ficou da Câmara, destaca-se um vulto de sobretudo alvadio, todo espapado sobre o seu banco, com a expressão de tédio de um borguista mole, extenuado, exangue, no morrer sonolento de alguma orgia. De perna estendida e com um ar de enjoo, encara de pálpebras semicerradas os seus colegas legisladores, dos quais alguns se mantêm sentados, outros em pé ou deambulando, muitos a falar do que lhes apetece e a abafar a voz do orador que ora, – e que ninguém ouve, nem quer ouvir, nem se sabe onde está, nem o que é que nos diz. Ao pé de mim um herói da Flandres relembra-me a página de Oliveira Martins onde paira a majestade do Senado romano, o terror religioso que inspirou ao Gaulês… Ante a impressão dessa cena histórica, senti esfumar-se a que tinha ali; e pareceu-me salientar-se sobre toda a Câmara o disco alvacento do relógio da sala, com os negros ponteiros e os números negros, todo ele nitidez, – a contar as horas que nos estavam levando (a nós, àquela entrudada, ao país misérrimo) para um destino incógnito em que não pensa alguém… Vivo, resplandecente, inexorável, nítido, o grande relógio de ponteiros negros, dominando a Câmara, é a única coisa regular e certa no meio da relaxação de tudo mais…
Nisto foi dada a palavra a um novo orador. Levanta-se um corpo, desequilibrado e mole; desce, cambaleando, pelos degraus em círculo; cambaleando se rebola para o interior da Câmara, de braço estendido como se levasse um copo: e ali permanece gaguejando frases diante da tribuna dos senhores ministros. Alguém segredou-me:
– Não parece estar bêbado o homenzinho? Não parece que está?
Pareceu-me também. Disseram-me depois que na realidade o estava. Que era sempre assim.
O Homem-das-Ideias extravagantes leu essas linhas de impressões melancólicas, que publiquei na Seara há mais de três anos:
– Lá vi, prorrompeu facundo. Lá vi! Tem toda a razão. Mas o diabo é dizê-lo, percebeu você? O leitor é simplista, e inclina-se logo para a tirania. Ou o que está, ou a tirania: são as únicas soluções que ele sabe ver. E percebe porquê? Porque nenhuma delas o obriga a pensar. Como convencê-lo de que é necessário pensar? Eis aí o problema. Diga-me você o que responde a isto. Sou todo ouvidos… Mas espere; não me interrompa; sei o remédio que preconiza: deseja a reforma do parlamentarismo, com a da economia e a da educação…
Oscilou a cabeça, levantou os sobrolhos, meditou uns segundos. E logo depois:
– Sim, não digo que não. Mas olhe: isso – sabe? – exige num português. Bem sei; dirá que se os políticos se não convencem de que devem reformar o parlamentarismo dando-lhe uma organização apertada e estrita, que dificulte os abusos de que nos queixamos; que se nós não sabemos congregar esforços e suscitar uma corrente de opinião enérgica que leve os políticos para o bom caminho: nesse caso… Seja o Patriota-fascista que suba ao poleiro, para despertar cidadãos e reformar políticos. É uma hipótese como qualquer outra. Resignar-se aos erros e loucuras de hoje, somente pelo medo do que pode vir – não, não o faz você. Indigna-se, acusa, protesta, prega. Está certo: lá por isso não o censuro eu. Só falta saber (aqui entre nós) se somos capazes de acordar um dia de entender que se pode reformar ávida sem pensar nos problemas e sem persistir. Que dizia disto? Desejava saber o que responde você?... Espere: não diga nada; sei muito bem o que você responde. Responde-me assim: que se não somos capazes de verdadeiras ideias; que se não somos homens para persistir nesse caso… não há solução para a questão portuguesa… É certo. Concordo também. Resignemo-nos ao Fado: caia sobre nós o Patriota-fascista. E depois? Não se iluda. Muito republicano se acomodará a ele. Você já o disse, e em plena Câmara há republicanos para as horas difíceis, e há outros para as horas de regabofe. Ver-se-á quais são os das horas difíceis, quais são os das horas de regabofe. Perfeito. Porém, ficará uma massa de republicanos sinceros, mas perplexos, moles, medrosos sempre do que possa vir; de gente abúlica perante esta ideia. E depois? Se estes caem teremos de voltar à maluqueira antiga? Porque o Português – repare você – fala da política e do seu futuro como fala do tempo que poderá fazer; é alforrecam. O amigo ri-se? Pois é o que eu digo. Não ocorre á alforreca esta ideia simples: que a chuva e o vento não dependem de nós; mas que, se os cidadãos honestos souberem unir-se, organizando uma força de opinião enérgica – a política futura depende desse querer. Organizar uma força de opinião pública que imponha as reformas essenciais: eis o problema. Não será possível ter bons políticos sem cidadãos organizados que lhes dêem apoio. No homem político – como em todos nós – há duas forças que se combatem: uma que puxa para o bom caminho; outra que se submete às influências más. Na luta das duas, que pode fazer todo o bom cidadão? Favorecer a primeira contra a segunda, criar um ambiente favorável ao bem. A organização metódica da gente honesta é a única maneira de carrilar a política. Quando o cidadão se não faz Cidadão; quando não se incomoda pelo bem comum; quando não trabalha como cidadão, e abandona o político à acção dos piores – nesse caso, amigo, não há povo algum que se governe bem. Mas dêem-me uma dúzia de cidadãos enérgicos, organizados, sólidos, que creiam no poder da vontade humana e que tenham ideias sobre o que há a fazer, e então…então…
De repente, o Homem-das-ideias-extravagantes pareceu aluir-se com um derrear dos ombros, e tomou uma atitude fatigada e lúgubre:
– Aí é o mal. Parece-me às vezes que só no povo – na gente modesta – há hoje uma ideia do que seja querer. O português com letras – o que frequentou o liceu – é só alforreca. Esse vai á toa; desliza nas águas – abandonado, gelatinoso, mole – assistindo inerte ao evoluir dos mundos… É difícil, muito difícil, responde ele a tudo… Difícil!... Difícil!...
O nosso homem, aqui, contraiu os braços, electrizou-se; fez-se uma mola, retomou calor; e fuzilando os olhos:
– Difícil! Que argumento esse! Mas só o difícil é que é interessante, senhor Alforreca! O que é difícil é o que se deve fazer! Difícil? Tanto melhor! Precisamente o fácil é que não vale a pena: mas o difícil!... Por Palas! Quando virão a esta nossa terra os fortes amadores do que é difícil? Os que queiram silêncio, persistência, querer? Quando virão?
António Sérgio, EnsaiosIII

Finalmente a Explicação Científica...


Segundo o Le Figaro, Trop d'hygiène pourrait nuire à la santé.
O que traduzido para português, e para quem não quer ler o artigo, significa que ter as mãos limpas é nocivo para a saúde e que andar toda a vida com elas imundas faz bem a tudo, sobretudo ao coração, rins e bexiga...
Está explicado o fenómeno da longevidade e saúde da nossa classe política, como desde a infância até aos nossos dias nunca andaram com as mãos limpas, estão aí para as curvas e, para nosso mal, com uma saúde de ferro.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Nova Indústria Turística: Arrastão aos Espanhóis...

Ministro das Obras Públicas prometeu: Lisboa pode-se transformar, por exemplo, na praia de Madrid...
Os bairros estão em polvorosa, o pessoal das quintas, da margem Sul e Norte de Lisboa, têm a coisa como assente e já só esperam o TGV para começarem a arrastar os espanhóis que o ministro prometeu trazer para as praias da zona de Lisboa. Entrevistados, anonimamente, os novos operadores turísticos exigem, contudo, que certos banheiros sejam impedidos de estragar o negócio, como já aconteceu no passado...

- Tal abuso não pode voltar a ser permitido, frisou Zeca (Naifas) Gundolo, se o estado investe o dinheiro dos nossos subsídios tem que nos dar garantias de que vamos poder usufruir dele, tás a ver meu? A cena é bué da fixe e já vou emprenhar mais meia dúzia lá no bairro para estarmos à altura da situação, topas? Agora, nada de tangas, nem desses banheiros fuleiros que só estragam os negócios, deixem-nos vir à vontade, o que o mar traz é de todos...
- Mas estes parece que virão de comboio...
- Não interessa, dão à costa, são nossos. Os manos do Porto que nem pensem em cá vir também, o gaijo lá da cambra deles, se quiser, que também arranje um comboio... Isto é nosso, vai ser como apanhar lapas e mexilhões... Começam por ser catados logo no comboio e depois, na praia, são arrastados e prontos! É uma aposta fixe, garantida, boa iniciativa!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Informação aos Monárquicos...

Hoje surgiram notícias de que os defensores da causa monárquica pretendem realizar um referendo, pois "Tivemos uma primeira República de terrorismo, uma segunda com 43 anos de ditadura e uma terceira, a do 25 de Abril, que priva os monárquicos da possibilidade de terem um cão", acusou Manuel Beninger.
Falso, os monáquicos não só podem ter cães como podem vesti-los como quiserem... Agora, não nos queiram é pedir que lhes vamos beijar as patas. Beijem-nas Vossas Altezas...