sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Abnegadamente peço: puxem a água...



Reza a história que os gladiadores quando iam para a arena para lutarem até à morte, para gáudio de César e dos seus afortunados apaniguados, diziam: ave caesar morituri te salutant. Era um último ultraje e o povo assistia entusiasmado ao espectáculo que era o espelho da sua própria condição, os que vão morrer, miseráveis, enquanto vós vos empanturrais em depravadas orgias, saúdam-te.
Hoje, olho em volta e vejo o mesmo em Portugal. Enquanto se vão sucedendo os escândalos mais sórdidos e inimagináveis, que começam no topo da pirâmide de corrupção e compadrio que carregamos nas costas já vergadas de tantos anos de canga e que só terminam nas moscas que orbitam em volta da canalha que nos avilta, vamos olhando para o circo que se armou em nossa volta com o mesmo olhar bovino com que os vimos instalarem-se e só me lembro da frase que, repetidamente, ecoa nos meus ouvidos: "As revoluções eufóricas são muito sonoras, vêm para a rua, fazem a festa, deitam foguetes, apanham as canas e vão-se embora. O totalitarismo, não.
Deitamo-nos descansados, embalados na lenda da Bela Adormecida, e, quando acordamos, já os gajos estão instalados."1 É isto que vejo e isto que sinto…
A corja que se instalou já regurgita por todos os lados, resultado da gula imensa e do despudor que deles se apoderou e os levou, num desvario colectivo, ao empanturranço extremo. Nós, os outros que os sustentamos, vivemos acotovelados na sanita onde nos deixámos colocar na iminência de saber quando é que a água será puxada para seguirmos o destino que, em conjunto com eles, sacripantas, ficou traçado. Somos assim, um povo de necessidades feito e à espera de termos uma nova oportunidade de servirmos as necessidades de alguém.
Tanto pior se há rumor de novos desenvolvimentos nas pulhices e trafulhices do nosso César, a única questão que nos surge é em qual delas surgiu a novidade, muito menos importante é saber que um candidato a supremo chefe das forças armadas deste país tenha sido desertor. Afinal, isto é Portugal, a terra de Novas Oportunidades, cujo exemplo nasce em cima e dele vem escorrendo até às acabadas fraldas do nascituro que, antes de nascer, já tem garantida a gamela que a vara lhe destinou.
Com muita estupefacção, vamos vendo espectros de caravelas a serem lançadas ao mar e a serem-nos apresentadas como revivências das que outrora cumpriram o fado de ter novas fronteiras a desbravar. Só que o Portugal com o olhar posto no Atlântico já foi… Agora as descobertas estão na Europa, porém não fomos nós a descobrir. Desta feita, fomos descobertos, como oásis onde florescem as mais raras espécies de criaturas apuradas para marionetarem o sim e o não a mando do patrão, como bem criados que foram a ser fracos com os fortes e fortes com os fracos. São os novos portugueses, criados do mundo e escravos da insignificância que é traduzida pela sua mesquinha cobiça. Partem à descoberta de novos mundos, mas só após verem asseguradas a peso de ouro as régias reformas que lhes ficam garantidas no reino. Depois de terem provado e garantido, à saciedade, a sua certificação de incompetência, elevada à potência da constância do seu ávido interesse, enfrentam um novo desafio, o de conseguirem ser ainda piores seres do que foram até então. Nada os pára, nada os demove, nem escolhos nem penedos, todos os querem, pois somos os melhores. Somos a nossa bandeira: alguns verdes, outros vermelhos e quem ganha são os azuis, que mal se vêm mas tanto se sentem na cafrialidade futebolística em que vivemos. Somos um país de pardos, como muito bem nos retratou Ruben A., ao constatar que somos “a única, verdadeira e benemérita instituição de indivíduos ligados pelo mesmo fim: - a amizade entre os indissolúveis Pardos de Portugal.”
É por isso que peço abnegadamente: o último de nós que cá ficar, que puxe a água.
1-Laura "Bouche" (Séc. XXI) in http://braganzamothers.blogspot.com/
2- Ruben A., “Pardos” in Cores

3 comentários:

Pata Negra disse...

Parabéns pelo desabafo. Felizmente a sanita não faz parte do mundo em que me encontro, sou do campo, posso-me sentir merda mas serei adubo de nova floresta.
Um abraço da mesma revolta

quink644 disse...

Eu adubava era a cara e a boca de muitos parasitas que para aí andam...

Anónimo disse...

Bom texto.. o retrato dos dias que correm..e vão correr...talvez a nossa safa seja fazer sanitas...um sanitódromo...quem sabe o turismo para ver merda ás vezes dá...Abraço e bom fim de semana...
http://bulimunda.wordpress.com/2010/02/20/frases-lapidares/